CHANTAGEM EMOCIONAL
A época de uma monitoria coincidiu com o término de um namoro significativo pra mim. Meu professor passava as tarefas pra fazer, mas eu não achava ânimo. Acreditava que, pelo fato de eu ter passado por uma situação ruim como aquela justificava minha falta de compromisso com a monitoria. Ledo engano.
Hoje em dia, com o tanto de alunos meus cheios de coisas pra fazer, consigo perceber essa mesma falsa sensação: a de que seu baixo-astral os livrarão de suas responsabilidades.
Como professor, eu tento mostrar aos alunos que dever de casa e presença na aula não são mais que obrigação deles, assim como minha obrigação é de preparar aulas eficazes e práticas. A diferença é que muitos deles acham que eles não têm a obrigação de ir à aula nem de fazer os deveres; isso é uma opção.
Quando a época de provas chega, tais alunos faltam às aulas e não trazem as tarefas de casa. Justificam que a época de prova está acabando com o tempo deles. Claro que, ao ligar pros pais, não tenho o menor apoio: achando que estão ajudando na educação dos filhos, negociam comigo uma aula de reforço e um prazo maior pra entrega de deveres.
“Que pais compreensivos e caridosos!”, as pessoas pensam. Não. Que pais nocivos e irresponsáveis. Para ter a aprovação dos filhos, tiram deles responsabilidades que vão faltar quando essas crianças virarem adultos.
No meu caso, tenho que ficar mais tempo na escola para tratar desses pobres e incompreendidos alunos. Tenho que arranjar janelas para corrigir deveres atrasados. Tenho que me reorganizar para repor as aulas que eles perderam. Mal sabem eles como esse vício atrapalha um bando de gente.
Já no ponto de vista deles, esse apoio dos pais faz com que eles se sintam à vontade para burlar quaisquer compromissos por motivos nobres – no caso, estudar. Obviamente, quando aparece um show que eles querem apreciar ou uma festa que querem ir, alegam fadiga e pedem a permissão dos pais. Assim, conseguem um espacinho pra sair desse sufoco. Os pais, claro, deixam os filhos irem; afinal, estão estudando com tanto afinco, que responsáveis!
Agora, pergunto eu: seus filhos mantiveram a rotina de estudos durante o ano? Fizeram sua obrigação diária de estudar e fazer os deveres? Ir a plantões quando tinham dúvidas? Ou ficaram perambulando por shoppings, jogando vídeo-game, papeando no msn? Ou até passaram a tarde inteira dormindo?
Se bobear, os pais não saberão a resposta. Afinal, estavam ocupados demais trabalhando pra pagar a escola e os regalos dos filhos, como um suborno ao sentimento de culpa por não ter tempo pra eles.
Então, cabe a mim, professor, educar o aluno? Claro que não. Cada família tem seu ponto de vista em como educar os filhos. Além disso, hoje em dia, estou cada vez menos tratando de alunos e tratando mais de clientes, ou filho de clientes.
Antigamente, alunos entendiam que o professor era a autoridade na sala de aula, e a educação era vista como algo separado da corporação. Atualmente, se faço algo que desagrada ao aluno, em 10 minutos a mãe está na escola pra cancelar a mensalidade. Claro, ela tem que zelar pelos interesses do filho.
Esquece ela que, no fim do ano, seu filho estará desesperado por notas. Bom, nem tanto. Acostumado com esse ciclo de mimos, ele usa o desespero para encobrir a total falta de responsabilidade. O desespero vira uma tática, uma arma, um instrumento. Aquele choro, aquele ar de preocupação, aquela cara de cachorro pidão... sem saberem, os moleques manipulam os sentimentos dos pais.
Oras, se ele está desesperado para tirar boas notas, o pai vai entender aquilo como um interesse do filho em estudar. Claro que o pai vai fazer de tudo para que essa vontade seja feita. E é claro que o moleque nunca vai aprender responsabilidade, pois seus pais o eximem disso. Se pudessem, fariam a prova por ele.
Tais moleques crescerão e se tornarão pessoas irresponsáveis e intolerantes. São aqueles maus profissionais que fazem as coisas erradas ou não fazem os compromissos e usam justificativas emotivas para se eximirem. São aqueles amigos que atrapalham sua vida e acham que estão certos porque “amigo é pra essas coisas.” São os colegas de trabalho que te põem em saias-justas e depois pedem compreensão. São aqueles que nunca serão confiáveis, porque seus pais não ensinaram comprometimento e responsabilidade quando eles eram crianças.
E o que fazer para acabar com esse comportamento? Enquanto o filho não sofrer um trauma – repetir de ano, ou ter que ir pras aulas de inglês mesmo precisando estudar pras provas – eles continuarão achando que estão corretos ao ficarem desesperados em dezembro, apesar de não terem feito nada para evitar isso no resto do ano.
Talvez eu esteja escrevendo isso agora pela frustração que sinto por ser um empregado de uma empresa antes de ser um professor. Como empregado, tenho que manter os clientes na empresa, assim como um pai tem que manter a aprovação dos filhos. Por outro lado, meu lado educador sofre ao tirar responsabilidades inerentes a um aluno para mantê-lo na escola.
Agora, no fim do ano, em vez de ter alunos passando de ano, me deparo com um bando deles me dando trabalho extra. Dizem que é por uma causa nobre – estudar para as provas. Se soubessem o que os espera quando se tornarem adultos, sem papai e mamãe passando a mão na cabeça...
Quando justifiquei minha falta de compromisso ao meu professor da UnB, achei que obteria compreensão – afinal, dor-de-cotovelo é uma chantagem emocional e tanto. Ele me deu uma lição: “Quando você tiver uma tradução, seu cliente não vai querer saber dos seus problemas. Ele vai querer saber da tradução”
E vocês acham que meus alunos-clientes estão interessados nos meus problemas ou nos deveres corrigidos?
Frase da Hora: "Disciplina é liberdade." (Legião Urbana)