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quinta-feira, dezembro 07, 2006
 
CHANTAGEM EMOCIONAL


A época de uma monitoria coincidiu com o término de um namoro significativo pra mim. Meu professor passava as tarefas pra fazer, mas eu não achava ânimo. Acreditava que, pelo fato de eu ter passado por uma situação ruim como aquela justificava minha falta de compromisso com a monitoria. Ledo engano.

Hoje em dia, com o tanto de alunos meus cheios de coisas pra fazer, consigo perceber essa mesma falsa sensação: a de que seu baixo-astral os livrarão de suas responsabilidades.

Como professor, eu tento mostrar aos alunos que dever de casa e presença na aula não são mais que obrigação deles, assim como minha obrigação é de preparar aulas eficazes e práticas. A diferença é que muitos deles acham que eles não têm a obrigação de ir à aula nem de fazer os deveres; isso é uma opção.

Quando a época de provas chega, tais alunos faltam às aulas e não trazem as tarefas de casa. Justificam que a época de prova está acabando com o tempo deles. Claro que, ao ligar pros pais, não tenho o menor apoio: achando que estão ajudando na educação dos filhos, negociam comigo uma aula de reforço e um prazo maior pra entrega de deveres.

“Que pais compreensivos e caridosos!”, as pessoas pensam. Não. Que pais nocivos e irresponsáveis. Para ter a aprovação dos filhos, tiram deles responsabilidades que vão faltar quando essas crianças virarem adultos.

No meu caso, tenho que ficar mais tempo na escola para tratar desses pobres e incompreendidos alunos. Tenho que arranjar janelas para corrigir deveres atrasados. Tenho que me reorganizar para repor as aulas que eles perderam. Mal sabem eles como esse vício atrapalha um bando de gente.

Já no ponto de vista deles, esse apoio dos pais faz com que eles se sintam à vontade para burlar quaisquer compromissos por motivos nobres – no caso, estudar. Obviamente, quando aparece um show que eles querem apreciar ou uma festa que querem ir, alegam fadiga e pedem a permissão dos pais. Assim, conseguem um espacinho pra sair desse sufoco. Os pais, claro, deixam os filhos irem; afinal, estão estudando com tanto afinco, que responsáveis!

Agora, pergunto eu: seus filhos mantiveram a rotina de estudos durante o ano? Fizeram sua obrigação diária de estudar e fazer os deveres? Ir a plantões quando tinham dúvidas? Ou ficaram perambulando por shoppings, jogando vídeo-game, papeando no msn? Ou até passaram a tarde inteira dormindo?

Se bobear, os pais não saberão a resposta. Afinal, estavam ocupados demais trabalhando pra pagar a escola e os regalos dos filhos, como um suborno ao sentimento de culpa por não ter tempo pra eles.

Então, cabe a mim, professor, educar o aluno? Claro que não. Cada família tem seu ponto de vista em como educar os filhos. Além disso, hoje em dia, estou cada vez menos tratando de alunos e tratando mais de clientes, ou filho de clientes.

Antigamente, alunos entendiam que o professor era a autoridade na sala de aula, e a educação era vista como algo separado da corporação. Atualmente, se faço algo que desagrada ao aluno, em 10 minutos a mãe está na escola pra cancelar a mensalidade. Claro, ela tem que zelar pelos interesses do filho.

Esquece ela que, no fim do ano, seu filho estará desesperado por notas. Bom, nem tanto. Acostumado com esse ciclo de mimos, ele usa o desespero para encobrir a total falta de responsabilidade. O desespero vira uma tática, uma arma, um instrumento. Aquele choro, aquele ar de preocupação, aquela cara de cachorro pidão... sem saberem, os moleques manipulam os sentimentos dos pais.

Oras, se ele está desesperado para tirar boas notas, o pai vai entender aquilo como um interesse do filho em estudar. Claro que o pai vai fazer de tudo para que essa vontade seja feita. E é claro que o moleque nunca vai aprender responsabilidade, pois seus pais o eximem disso. Se pudessem, fariam a prova por ele.

Tais moleques crescerão e se tornarão pessoas irresponsáveis e intolerantes. São aqueles maus profissionais que fazem as coisas erradas ou não fazem os compromissos e usam justificativas emotivas para se eximirem. São aqueles amigos que atrapalham sua vida e acham que estão certos porque “amigo é pra essas coisas.” São os colegas de trabalho que te põem em saias-justas e depois pedem compreensão. São aqueles que nunca serão confiáveis, porque seus pais não ensinaram comprometimento e responsabilidade quando eles eram crianças.

E o que fazer para acabar com esse comportamento? Enquanto o filho não sofrer um trauma – repetir de ano, ou ter que ir pras aulas de inglês mesmo precisando estudar pras provas – eles continuarão achando que estão corretos ao ficarem desesperados em dezembro, apesar de não terem feito nada para evitar isso no resto do ano.

Talvez eu esteja escrevendo isso agora pela frustração que sinto por ser um empregado de uma empresa antes de ser um professor. Como empregado, tenho que manter os clientes na empresa, assim como um pai tem que manter a aprovação dos filhos. Por outro lado, meu lado educador sofre ao tirar responsabilidades inerentes a um aluno para mantê-lo na escola.

Agora, no fim do ano, em vez de ter alunos passando de ano, me deparo com um bando deles me dando trabalho extra. Dizem que é por uma causa nobre – estudar para as provas. Se soubessem o que os espera quando se tornarem adultos, sem papai e mamãe passando a mão na cabeça...

Quando justifiquei minha falta de compromisso ao meu professor da UnB, achei que obteria compreensão – afinal, dor-de-cotovelo é uma chantagem emocional e tanto. Ele me deu uma lição: “Quando você tiver uma tradução, seu cliente não vai querer saber dos seus problemas. Ele vai querer saber da tradução”

E vocês acham que meus alunos-clientes estão interessados nos meus problemas ou nos deveres corrigidos?

Frase da Hora: "Disciplina é liberdade." (Legião Urbana)
 
Comments:
Pois é Geléia, vivo isso também. No fim do ano todos se lamentam, pedem segunda, terceira, quarta chance pra se redimirem, mas aí já é tarde demais. Eu me recuso a dar reforço desesperado no fim do ano pra aluno que nao se interessou durante todo o ano letivo, e ainda bem que eu posso me recusar a fazer isso. Ao menos uma coisa eu sofro menos que você, a idéia de que eu sou apenas uma empregada por ser consideravelmente difícil eu perder o emprego. No sistema público é diferente. Mas tudo corre meio froucho os pais não perdem dinheiro (pelo menos eles acham que não perdem), e dinheiro é o que lhes interessa, então não há tanta preocupação com os filhos. E se reprovar repete de ao e pronto. E se reprova por falta, muda de escola, e assim o sistema público vai seguindo em frente, cada vez mais decadente. (rimou)
Acho q a maior diferença é que lá não há submissão do professor diante do aluno, porque não temos que mantê-lo na escola afim degerar lucro pra empresa. A tarefa mais difícil neste caso mantê-lo na escola pelo simples fato de fazê-lo pensar que a educação é sua única saída para uma vida melhor. É isso.
 
Infelizmente é assim mesmo. Eu mesma já fiz isso algumas vezes na Thomas, em véspera de prova de matemática ou física.
Mas a coisa já está tão disseminada pela geração atual que vai ser difícil mudar....

Faz tempo que a gente não conversa direito. Aconteceu alguma coisa lá pelo trabalho?
 
Você me assuta falando horrores da vida adulta.
Concordo contigo, mas será que algum desses seus alunos podem mesmo ter estudado o ano inteiro e mesmo assim ficaram de recuperação ou coisa do gênero?Bom foi assim comigo(que dureza), mas não faltei com minhas responsabilidades(nenhuma delas). Agradeço aos meus pais por isso.
Infelizmente, nem todos os pais são tão presentes assim.
 
É foda...
Eu já fiz isso várias vezes e acho que nem tinha razão emocional mesmoXP
Mas depois vem a hora da verdade (vestibular) aí a gente aprende na marra mesmo...
 
Lu de:

Eu também me assusto com a vida adulta; tanto é que faço questão de não ser um! :)

Cac:

Sim, estou atolado de coisas pra fazer. Mas espero termos aquela caminhada semestral.

Gui, Vamos sair com o Emili pra tomar um açaí?
 
Combinado, Mak!
 
Eu tinha esquecido que vc é um cara de 17 anos^^
Olha só. Daqui a pouco(dia 15) eu vou ter a sua idade).
 
Terrível Makoto, vc ter trabalho extra por conta de irresposabilidades dos outros.
Eu posso não ser muito bom exemplo-eu costumo dormir de tarde e tudo mais,quando posso- mas ao menos cumpro com meus compromissos e deveres.
Tenho uma amiga que pegou 3 recuperações. Ano passado foi a mesma coisa...
No início deste ano, eu ofereci minha ajuda,mas a fulana preferiu manter a mesma postura.
será que é porque ela sabe que a mãe vai pagar aulas e mais aulas particulares no final?
Existem muitos alunos que poderiam ser exelentes,mas que preferem levar os estudos e tudo mais de qualquer jeito porque sabem que os pais vão ajudar depois.
terão dó.
torcerão pelos filinhos.
não os colocam de gastigo ou algo assim.
não exigem nada,ou quase nada....
--'!! eu ainda os vejo reclamando dos pais que fazem tudo por eles, e também dos professores.

santa paciência.

=/
 
O problema não é dormir à tarde. Eu também durmo à tarde, isso faz bem.

Mas gastar a tarde inteira dormindo, sendo que vc tem deveres a fazer, é uma irresponsabilidade. Se eu tivessse em casa dormindo em vez de preparar aulas ou tirar músicas, claro que já estaria despedido.

Mas, na vida desses moleques, existe prova final, recuperação, dependência, suborno e, em último caso, CETEB.
 
rapaz... vc daria um bom colunista de jornal, melhor do que aqueles inúteis dos jornais importantes que o pessoal só le suas colunas pois o escritor eh famoso.

Falou
 
Arthur, meu caro,

Vc em toda razão. Não que eu seja fodaço, mas com certeza eu tenho muito mais a dizer que Marias Paulas e Fernandas Takais da vida.

E olha que elas têm uma página inteira do Correio! Dureza...
 
É isso mesmo MELOCOTÓN...bta quente nessa galera. Abraço forte (força sempre)
 
É triste saber que tem pais assim.
Graças a Deus os meus não são, muito pelo contrario, se eu não dou atenção suficiente aos estudos é por culpa minha e meus pais não aprovam, obvio. Muito menos passam a mão na minha cabeça, muito pelo contrario, eles tentam me mostrar o quanto é importante estudar, ser alguém na vida, etc. E agora eu vejo o tempão que eu perdi por falta de interesse nos estudos, mas agora eu pretendo não cometer os mesmos erros deste ano no proximo ano.
 
Parabéns, cara! Você traduziu com algumas dúzias de palavras bem escritas um dos principais sintomas dessa falta de compromisso sobre a assunção de responsabilidades transitórias para a formação do caráter adulto (permanente) que cada cidadão precisa ter. Acertou no alvo quando identificou os pais que obliteram o crescimento de seus filhos quase que fazendo tudo aquilo que é esperado de uma criança e do adolescente no desenvolvimento de suas atribuições. E vou mais além: seu texto nos remete ao comportamento cada vez mais comum de gente que acha que o mundo está aí para os servir. Não compreendem (novamente porque seus pais nunca os deixaram ver) que viver em sociedade é compartilhar responsabilidades; cada um fazendo a sua parte e todos fazendo o "todo"... É por isso que estacionam o carro atrás de outro e somem! Deixam carrinhos de compra dentro dos elevadores depois de usá-los; pegam o que quiserem e acreditam que o grande valor para o sucesso é o "se dar bem a qualquer custo"... Não conseguem enxergar as outras pessoas como seus semelhantes, mas sim como parte do cenário em que atuam.

Sou professor, como você. Sei que foi uma escolha pessoal, mas às vêzes chego a desanimar... Grande abraço!
 
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Nome:
Local: Brasília, Distrito Federal, Brazil

Ué, achei que já tinha respondido a esta pergunta... msn: nemchama@hotmail.com

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